domingo, 19 de setembro de 2010

Um encontro com Patativa do Assaré

Trecho de livros de memórias em preparo.

(...)
São Paulo me comove. Suas figuras, aqueles desprovidos de sentimento, crianças, adolescentes, adultos e, principalmente, velhos. A velhice me comove, sempre me comoveu.

Um dia, Patativa do Assaré chegou de mansinho. Foi-me apresentado por Expedito Filho, o conhecido radialista Mano Novo. Em pleno centro de São Paulo eu mirava aquela figura franzina que vinha do Ceará em busca de uma córnea que lhe permitisse voltar a enxergar. Mais que tudo, voltar a enxergar sua Belinha, mãe de seus sete filhos, sete gladiadores, iguais aos da história romana.

Embora sua vida estivesse escancarada, repetia o lugar de nascimento, que começou a versejar por volta dos onze ou doze anos, que a partir daí seguiu cantando as dores apaixonadas dos sertanejos, a invasão “atristurante” dos exércitos de fantasmas compostos de homens desfigurados, mulheres macilentas e crianças a sugar em seios maternos os últimos resíduos de uma seiva inexistente.

Impressionava-me sua vitalidade aos 79 anos. De estrutura mirrada, talvez não passasse de 1,50m, se agigantava quando cantava seu canto destemido. Mais declamava que conversava. Caminhava com dificuldade, pois tinha uma perna recheada de grampos. Ainda assim, andamos em círculo pela Praça da República, centro de São Paulo. Eu perguntando, ele reclamando da quase cegueira.

-- Eu com nada me aquebranto, viu? Tenho sofrido muito. Olhe essa perna, está toda grampeada. Um carro me colheu em Fortaleza, me obrigando a ficar um ano e meio no Rio de Janeiro para tratamento. De modo que a marcha da vida tem sido um pouco espinhosa para mim, mas nunca conseguiram me tirar a alegria, o prazer, e a primeira qualidade que é compor minha poesia.

O tempo ia mudando. Deolinda, uma loura cearense que o acompanhava por toda parte, me pedia para sentar. Patativa ria:

-- Esta é Diolinda, minha lilinda, meu anjo protetor. Para mim, que não tenho visão, ela tá sempre me avisano.       

O céu de São Paulo mostrava-se carrancudo. Patativa se despedia e me convidava para o lançamento de seu livro “Poesia e Fulô”.

 -- Tu vai?
-- Claro!
-- Ah, ah, tu num vai não. Eu te conheço de outros sertão!

Nenhum comentário:

Postar um comentário