quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Eu amei Victoria Blue

Podemos ler o livro imaginando uma sequência cinematográfica: ruas de Nova York, Central Park, guetos, encontros furtivos, vida e morte sob as luzes imorredouras da cidade –mundo. Mas aí ficaria uma leitura comum, boba, beirando aquele estereótipo a que nos acostumamos na telinha. Podemos até encarar o livro como uma série de televisão, como lembra Caio Tulio Costa na orelha, mas temos mesmo que lê-lo como uma obra literária que nos toca, que nos ensina, que nos apresenta um autor de tão pouca idade mas tão adulto na escrita. Refiro-me a Eu amei Victoria Blues, de Estêvão Romane, recém lançado pela Geração Editorial.

Aparentemente uma história simples: um garoto brasileiro muda-se para Nova Iorque para estudar e, num de repente, torna-se presa de uma garota fenomenal, também brasileira, que vive naquela cidade, embora com outros objetivos: o de todo imigrante comum de uma milionésima leva: dinheiro ou fama – que não é o caso do referido garoto, diga-se de passagem.

Do primeiro encontro ao fim sofrido de um romance novelesco (no melhor sentido) nos pegamos enfrentando os deslizes da alma humana. Não é somente a história de um jovem de vinte e poucos anos, já um amante “inveterado” do sexo, que se apaixona perdidamente, mas um tratado psicológico(sem psicologismos), um escancaramento da possibilidade que tem o ser humano de transmudar-se, de afundar-se nas águas da mentira, que tanto pode ser sua ruína como também sua salvação. Ela se chama Fernanda, ele Davi. Mentir para Fernanda é a forma de sobreviver num mundo que teima em ameaçar-lhe com o passado difícil, nebuloso. Quer amar de verdade, precisa amar de verdade, mas a mentira está ali para impedir, para mascarar tudo. Ela é uma máscara. Pensando assim, quem sabe a máscara veneziana que o amante encontra em suas coisas (uma citação casual apenas) não seja algo simbólico na vida confusa que ele vai descobrir em Fernanda?

Davi mostra-se mais adulto do que é em verdade. É capcioso, as coisas lhe aparecem embaralhadas, como quebra-cabeças, mas ele demonstra capacidade de ordená-las. E vai desenrolando um carretel de surpresas. Quem é ela ? O que faço? Onde me enredo? Ele sabe que está entrando nas mesmas águas, que também está se afogando, mas tem a sapiência de procurar a melhor forma de nadar e sair em braçadas rápidas para reparar sua própria vida. E sanidade.

Eu amei Victoria Blue deve ser um acontecimento literário. Deverá atingir qualquer tipo de publico por seus ingredientes: sexo, poesia, refinamento no comer, no beber e no ouvir, por exemplo, e uma pincelada na vida diuturna de uma das mais interessantes e curiosas cidades do mundo. Mas acima de tudo atingirá pela escrita.

Conheci seu autor no dia em que nasceu, de certa forma acompanhei sua trajetória. Nenhuma surpresa ao ler o livro, principalmente ao saber que vem de boa cepa (os pais sabem escrever) e que sempre conviveu com o melhor em termos de literatura, música e boa mesa.

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