quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Sobre Wilson Simonal

Houve um tempo em que todo mundo virou as costas para Wilson Simonal. Não foram poucos os que o desclassificaram e buscaram apagar sua história, juntando num mesmo liquidificador inveja, racismo e sei lá mais o quê. Principalmente os que se diziam militantes culturais de esquerda ou, na falta do que fazer, viviam expelindo regras e se mostrando defensores de sua própria liberdade de expressão, porque os interesses eram sempre individuais, raramente coletivos. Eu mesmo cheguei a questionar a postura do artista incentivado por tudo aquilo que os jornais publicavam.

Depois de ler o Pasquim compreendi que Simonal já era como um leproso, ninguém queria chegar perto, o amigos dos tempos de noitadas fartas negavam a “amizade”. A crucificação pública seria demorada.

Conheci Simonal no meio desse embroglio todo, acompanhei de certa forma sua angustia e seu silencio imposto. Vi-o muitas vezes tentando uma justificativa pífia.

Anos depois, atuando como produtor cultural em São Paulo, constantemente recebia sua visita em meu escritório. Ele procurava o espaço que por direito também era seu: o palco. E, de fato, chegamos a realizar alguma coisa.. Já não tinha a mesma voz, aquela voz que dominava espaços, como é o caso do famoso show do Maracanãzinho. Passávamos horas conversando. O assunto do passado sempre tinha algum espaço nessas conversas. Mas a cada dia perdia a força de repetir que não era culpado, apesar dos documentos de Brasília que ele queria mostrar e ninguém queria ver.

Estivemos juntos em alguns espaços musicais. Noutros, era pego de surpresa com sua chegada, sempre discreta. Uma noite no Café Piu-Piu, minha amiga Alaíde Costa cantava. Era um show, como sempre, de grande beleza, intimista, sofrido. Num momento virei-me e dei de cara com  Simonal de pé, na penumbra. Fui até ele, nos abraçamos. Estava sóbrio. Pedi licença um instante, fui ao palco e coxixei no ouvido de Alaíde. Voltei ao seu lado sem nada lhe dizer. Terminada uma música Alaíde fez um rasgado elogio ao artista, agradeceu sua presença e chamou-o ao palco. Ele não esperava. Deu-me um beliscão, uma batida nas costas, virou-se pro balcão e pediu urgentemente uma dose. Virou o copo e foi ao palco. Uma noite memorável.
Mais alguns anos se passaram. Estávamos em seu velório eu, Jair Rodrigues, sua esposa Clodine, Kiko Egídio, Wanderléa, Simoninha, sua irmã, Sandra e Nicéia Pita (que chegou protegida por um colete a prova de balas). Depois, parece-me, chegou seu filho Max, quando o corpo estava prestes a sair para o cemitério

“Meu Deus, pensava eu, como uma coisa dessas pode acontecer? Por que esse vazio?" Ali estávamos apenas nós a velar-lhe. Imaginei esse vazio repetido no cemitério, mas o cantor Silvio Brito me diria mais tarde que chegaram várias pessoas para o adeus. Menos mal.

No velório de Simonal, meu pensamento vagava. Eu não estava ali, ele não estava ali, ninguém estava ali. O cenário era o Maracanãzinho de 1969, com suas dez, dez, dez mil pessoas de frente, do lado, de lado...  Mas que besteira: o ano era 2000, 25 de junho. No caixão, meu amigo Wilson Simonal.

O tempo passa. Seu nome continua em pauta, principalmente depois do filme em que demonstra o duro que deu na vida. E a pergunta ainda a vagar: dedurou?

E por que essa lembrança?  É que hoje, 13 de setembro, leio nos jornais que no Rio de Janeiro artistas o celebram, entre eles Caetano Veloso. O que acontece? Volta o velho ditado: para ser bom precisa morrer.


Nenhum comentário:

Postar um comentário