domingo, 19 de setembro de 2010

Do livro de memórias

(...) A cidade vivia sem grandes emoções. Se nada acontecia na Epitácio Pessoa, dava uma passada na praça central, onde certamente estavam os rapazes e as garotas, com idade entre os dezoito e vinte, em animadas conversas, ou então tocando violão. Havia os charmosos os, conquistadores, os elegantes, os matemáticos: Estácio Graciano, Zé Fausto, Teócrito Leal, Nilton Bezerra, seu irmão Toinho, Evaldo Lira. As garotas? Margarida Germano, Lidelba e sua irmã Erlanda, Socorro Maul, Nilzinha, Zenaide Mendonça, Eurides Torres, Maria e Eulália Vitor, as mais meninas como Ana Maria, Graça Bernardo, Vânia...

Um momento mágico era quando se iniciavam os preparativos para a festa do santo padroeiro. A cidade se enfeitava com parques, pavilhões, bazares e, principalmente, com a beleza trigueira das roceiras. Lembro-me do Parque Maia, do mestre Olívio, de seu Medeiros e da última festa que presenciei: acordei cedo e descobri que todos os brinquedos haviam partido, indo embora o sonho, o cachorro-quente do mestre Olívio, os jujus, as canoas, a roda gigante, os pastoris, os leilões, a amplificadora com seus “postais sonoros”, o fim de minha inocência.

Quando a vida voltava ao normal, Dona Joana continuava vendendo seus bolos e cafés; João Sapateiro batendo sola de sapato; Horácio Sobral sujando o ar com o pó da madeira de sua movelaria; Zé Rocha pendurado na janela, instigando a garotada; seu Paizinho aplicando injeções; Mané Buião, ao lado do bilhar, tossindo, tossindo, sem controlar a maldita tuberculose que o matava diuturnamente; Zé Floro, sentado em seu “escritório” remendando notas velhas; a “sopa” de Supimpa subindo para Campina Grande; o velho Irineu com sua jumenta de estimação enchendo as cisternas e potes da comunidade; Pedro Macena contando estórias mirabolantes e tocando sua gaita; Loré Barata Preta embriagando a vida pelos monturos; Tonha Doida, de cara rosada de papel crepom, conversando com seus fantasmas pela rua grande; Zé do Pife, com seus dentes bichados, atendendo aos pedidos da garotada; e no velho mercado Totó de Sebo, senhora absoluta, tirava de sua trempe um esquisito caldo com cheiro de gordura de porco, misturando-se ao fedor de urina vindo do beco, invadindo o lixão da prefeitura. Na lembrança, o último carrossel de minha vida. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário