segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Memórias

Trecho do livro de memórias, em preparo

(....) Teócrito,  Aeroaldo, Fausto, Amando, Evaldo Lira (nosso Inseto), Estácio, Josué Graciano, Celeida, Nilzinha, Toinho Bezerra, Tita, Socorro Bernardo, Lidelba, Erlanda, Maria Victor, Marleide Pereira e tantos outros, todos desaparecendo de nossas vidas, buscando caminhos para se tornarem gente decente. E eu crescendo, ouvindo incelenças, sons de ancoretas, imagens fantásticas se abrindo num sacrário de miçangas, corpos subindo para a glória; uma batida distante de zabumba, uma estrela gigante no céu, um galho de alecrim esbanjando perfume da orelha do matuto, uma alma pisando na encruzilhada onde o corpinho de meu irmão sem nome jazia lá nas bandas do sítio Preguiçoso.

As incelenças, os mortos em redes, o caixão da prefeitura... A morte tinha mesmo um significado medonho para mim. Os amigos partiam, os enterros se sucediam, velórios de coisas ditas e inconclusas. As flores não podiam suprir as rosas que nunca foram enviadas em vida. Mas depois de uma morte, da saída do cemitério, tudo voltava ao normal. A lua continuava surgindo faceira, a poesia sussurrando pelos ares, o horizonte cada vez mais divisor: o mundo que começava em Alagoa Nova, ainda terminava naquela linha sempre azulada, que se perdia diante de nossos olhos.

Até hoje sigo pensando que não enviamos flores para Lindolfo Barbosa, Josaphat Rodrigues, Jayme Floro, Oscar Veloso, Zé Basílio, Elisbão, Dona Mintina, Olegário Fernandes, Crescêncio, Joaquim Cândido. E me pego com as mãos na cumbuca, dizendo deles o que jamais disse em vida. Mas quem era mesmo essa gente que a história sepultou? Como viveram? Do que viveram? O que fizeram e quais os exemplos que conseguiram deixar?  Por exemplo, nunca entendi a avareza de Lindolfo Barbosa, embora gostasse de seus afagos e de quando me chamava “Luleiro”. Foi a figura que mais me marcou. Seu rosto era igual aos daqueles retratos do século dezoito, pendurados nos velhos casarões de engenho. Estava sempre atarefado no sítio Capim de Planta, cultivando arroz e araruta. De repente a idade não mais lhe permitiu descer as ladeiras do engenho Assis. Foi homem de muitas mulheres, ainda que eu só tenha conhecido duas: Maria, que vivia na cidade, e Minervina, com uma penca de filhos, na lama do Capim de Plantas. A última vez que vi Lindolfo foi num caixão. Era uma tarde chuvosa e úmida como o sítio em que viveu.

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