segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Relato de Prócula

Há tempos um livro descansava em minha cabeceira. Aliás, uma pilha deles permanece intacta à espera do tempo que nunca consigo. Mas há poucos dias, terminada a tradução de Gente Pobre, de Dostoievski, que tomou-me dias e dias, olhei para aquela capa magnífica e prometi que o livro seria minha próxima leitura: Relato de Prócula, de W. J. Solha.
Conhecia o Solha de nome e imagem. Os conterrâneos me falavam de sua trajetória e eu retinha na memória o “bandido” de O Salário da Morte, primeiro longa paraibano – guardo com carinho uma cópia -- onde atuava um amigo, Edson Borges e me fascinara.
 Embora soubesse de sua obra, infelizmente não havia lido uma sequer. E eis que nesses dias de eleição me pego lendo o seu Relato de Prócula, lançado em 2009, que muito me entusiasma. E quando isso acontece é um problema, porque não consigo parar. E leio no ônibus, caminhando pelas ruas (às vezes esbarro com um poste) e até nos momentos que antecipam uma missa (pode?). Sim, fiquei mesmo entusiasmado, exultando por, finalmente, depois de um tempo, ter encontrado um autor que me proporcionasse esse estado de espírito. Logo eu, um cara tão chato, que nem os confrades de União Brasileira de Escritores suportam  
Os temas, que a um primeiro momento, parecem ligados à religião, nunca me interessam. Levam-me sempre a achar que fazem parte da mesma tralharia da chamada auto-ajuda, das enganações do Paulo Coelho, dos relatos psicografados (recentemente havia lido um texto “psicografado” de Claudia Prócula, onde fala de seus amores por Pilatos e de sua veneração pelo Nazareno.), mas ledo engano:  Relato de Prócula que tenho em mãos, desse sudernordestino magnífico, foge a qualquer dessas suposições -- às vezes infelizes. É um livro sofisticado, bem escrito que, embora destile certa erudição, nos remete a um mundo dificilmente imaginado por quem vive além fronteiras paraibanas, distante daquele recanto sabido e tido como árido, sofrível, inculto.
Ajudando-nos a desalinhavar o que estamos habituados a engolir – a narrativa sempre linear, blábláblá... --, Solha historia história e estórias, desarma aratacas bíblicas e nos faz sentir formigamentos a partir de uma carta que sugere o Nazareno como uma invenção romana para evitar a oposição judia ao regime estabelecido.
O pilar da erudição está num sacerdote cuja vida é marcada por altos e baixos, despudores, desamores, ressurreições, pecados e que, após participar de um auto onde interpreta Poncio Pilatos, tem a epifania: descobre o tão propalado período de silêncio de Jesus.
Há uma relação de personagens interessantes (ele, o padre, é apaixonante) excitantes, um descambar poético de falas e imagens que atestam a boa veia do autor, um desfilar de nomes reais numa constante ida e vinda de realidade e ficção. 
Num determinado momento da leitura questiono-me: como um homem com sua cultura (o padre Martinho Lutero) se abate com essa “descoberta ingrata”  e chega ao cúmulo do suicídio? Poderia apenas dar de ombros, seguir em frente com sua interpretação.  Mas aí está a genialidade do autor, fazendo com que o enredo não perca sua razão de surpreender,  de acentuar o mistério, de ser dramatúrgico mesmo.
Bom, Schopenhauer dizia que quando lemos somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar, de raciocinar, porque, quando lemos a nossa cabeça não passa de uma arena de pensamentos alheios. Seria isso, padre Martinho Lurtero?
Mas, bobagens à parte – desacostumei das resenhas --, quero alertar o leitor: procure imediatamente conhecer este Relato de Prócula, que é livro para se guardar ao lado do que há de melhor na literatura universal.  É bem escrito, atiça, incomoda, revela. Principalmente revela (para mim) o grande escritor que é W.J.Solha.
Era apenas um breve comentário.                        

Um comentário:

  1. Avelima eu não vejo a hora de ler esse livro, estou com a curiosidade aguçada para ler essa pérola. Obrigada pela resenha do livro e pela indicação. Sim,o blog está maravilhoso!! Parabéns.

    Luciene Weiland

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